e todo caminho deu no mar

e todo caminho deu no mar
"lâmpada para os meus pés é a tua palavra"

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Sebastian

Sebastian, Sebastião
Diante de tua imagem
Tão castigada e tão bela
penso na tua cidade
Peço que olhes por ela

Cada parte do teu corpo
Cada flecha envenenada
Flechada por pura inveja
é um pedaço de bairro
é uma praça do Rio
Enchendo de horror quem passa

Oô cidade, oô menino
Que me ardem de paixão
Eu prefiro que essas flechas
Saltem pra minha canção
Livrem da dor meus amados...

(Gilberto Gil e Milton Nascimento)

quarta-feira, 29 de abril de 2009

São Sebastião, de Guido Reni




Tela do pintor italiano que inspirou o escritor e ator japonês Yukio Mishima (1925 - 1970), em Confissões de uma Máscara.
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Sobre essa prosa autobiográfica que tem a juventude como alvo, diz Marguerite Yourcenar em Mishima ou A Visão do Vazio: "a atração pela morte é frequente nos seres ávidos de vida".

terça-feira, 28 de abril de 2009

Sebastião, Mishima




"... um jovem capitão da Guarda Pretoriana foi acusado e preso por ter adorado um deus proibido. Seu corpo maleável lembrava o de um famoso escravo do Oriente por quem o imperador Adriano se apaixonara, e seu olhar era tal qual o de um conspirador... Era de uma arrogância encantadora.

... algumas donzelas acalentavam a certeza de que ele viera do mar. Porque de seu peito podia-se ouvir o bramido das ondas. Porque em seus olhos pairava o horizonte misterioso e inextinguível que o oceano deixa como lembrança no fundo das pupilas daqueles que nasceram na costa e de lá precisaram partir. Porque seu hálito era quente como a brisa do mar no auge do verão, e exalava o odor das algas lançadas à praia.

A beleza que exibia Sebastião... não estaria destinada à morte? ... Como poderiam as mulheres deixar de ouvir desejos tão intensos de um tal sangue? Não se tratava de uma vida frágil. Não era, de modo algum, um destino lastimável. Era, antes, insolente e trágico. A ponto de se poder chamá-lo resplandescente. É provável que, mesmo em meio a doces beijos, a agonia da morte em vida se tenha prenunciado no franzir das sobrancelhas. ..."
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Yukio Mishima, Confissões de uma Máscara, inspirado no quadro São Sebastião, de Guido Reni

domingo, 26 de abril de 2009

Klimt e a mãe do Perseu



Danae é fecundada por Zeus - "o deus cintilando como pétalas de uma flor de luz". Daí nasce Perseu, o mito que encara o monstro - a Medusa. "A medusa queria paralisar a história ...Perseu queria fazer a história, contar a história, ser contado pela história..." (Leminski)

Perseu - escudo, capacete, sandálias aladas

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Para cortar a cabeça da Medusa, o herói teve ajuda de 3 divindades: Atena, Hades e Hermes. Atena deu-lhe um escudo polido; Hades, um capacete; e Hermes ofertou sandálias aladas.
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Guiado pelo reflexo do escudo, mas sem olhar diretamente para a Medusa, Perseu corta a cabeça da górgona (monstro que petrifica). Abole, com este gesto, a sua própria culpa. Perseu dilata-se.
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Mas a lenda não acaba aí. Ao morrer, surge do ventre da Medusa o cavalo alado Pégaso. Aí outros roteiros são traçados, como lemos nos dicionários e nos textos de Italo Calvino e Antonio Cicero.
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I – Perseu no Dicionário de Símbolos

O mito de Perseu ilustra a complexidade da relação pai-filho, filho-pai, existente em todo homem. Perseu não tem pai humano, descende diretamente de Zeus... ele simboliza o ideal realizado ao preço de difíceis combates e de escolhas corajosas e engenhosas.



I I - Calvino lê a leveza de Perseu

"O único herói capaz de decepar a cabeça da Medusa é Perseu, que voa com sandálias aladas; Perseu, que não volta jamais o olhar para a face da Górgona, mas apenas para a imagem que vê refletida em seu escudo de bronze. ... Para decepar a cabeça da Medusa sem se deixar petrificar, Perseu se sustenta sobre o que há de mais leve, as nuvens e o vento; e dirige o olhar para aquilo que só pode se revelar por uma visão indireta, por uma imagem capturada no espelho. ... É sempre na recusa da visão direta que reside a força de Perseu."

III – “Medusa”
Antonio Cícero

Cortei a cabeça da Medusa
por inveja. Quis eu mesmo o olhar
sem olhos que vê e se recusa
a ser visto e desse modo faz
das demais pessoas pedras: pedras
sim, preciosas, da mais pura água,
onde o olhar mergulha até a medula,
diáfanas, translúcidas, cegas.
Refleti muito, antes. Na verdade
estes meus olhos provêm de carne
de mulher, não do nada imortal
da divindade. Como encarar
com eles a Górgona? Mas mal
pensando assim, lembrei ser mortal
ela também: e seu pai é um deus
do mar mas eu sou filho de Zeus.
Mesmo assim não quis enfrentá-la olhos
nos olhos. Peguei emprestado o espelho
da minha irmã e adentrei o cômodo
da Medusa de soslaio, vendo
tudo por reflexos:
...
Do pescoço
cortado nasceu um cavalo de asas
(é que o deus do mar a engravidara)
e mergulhou no horizonte em fogo
crepuscular. Contam que, no monte
Hélicon, seu coice abriu uma fonte.
A ser não sendo, de madrugada
levanto com sede dessa água.

sábado, 25 de abril de 2009

Gullar lança obra e recorta "cânone" no Jô



Augusto dos Anjos Lígia Clark Darcy Ribeiro
Manuel Bandeira Carlos Drummond Jorge de Lima
Fernando Pessoa Cláudia Ahimsa Rilke e um gato
a quem o poeta chama de parceiro em algumas telas

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Mário Quintana, Esconderijos do Tempo


As mãos de meu pai


As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra
- como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram,
acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos... essa beleza...
... uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste
alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta gravetos e tenta acendê-los contra o vento?

Ah! como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos! ...

domingo, 19 de abril de 2009

Gereba canta Canudos



Retrato sonoro de Canudos marca o retorno de Gereba ao Rio, século XXI. Seu espetáculo multimídia (música, vídeo, fotografia) e intertextual (poesia, história, política) dialoga, em alguns aspectos, com Os Sertões, de Zé Celso. Ambos os espetáculos ostentam uma alta dose de sintonia estética e cultural com o Brasil contemporâneo.

Dos momentos marcantes do show, registro "Ladainha de Canudos", “Duas Pedras” – a parceria cabralina com João Ba, e “A história fará sua homenagem” – letra do poeta Ivanildo Vilanova, que começa assim: “Num profundo deserto sem ter fonte/ já surgiu um regime igualitário”. Além de músico consagrado, Gereba é bom narrador. São marcantes os momentos nos quais ele narra memórias pessoais e causos da história e da tradição sertaneja. Traça relações entre os habitantes de Canudos – o lugar onde nasceu –, o Rio de Janeiro e as origens da favela. Com leveza, sem tonalidade panfletária, essas micro-narrativas orais sugerem imagens de poesia e violência que aproximam o Rio e a Bahia – o Brasil urbano e o país rural.

Retrato sonoro de Canudos faz pensar nas inúmeras leituras que podem ser acionadas entre Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, e alguns textos modernos e contemporâneos como a novela A Hora da Estrela (1977), de Clarice Lispector, o romance Cidade de Deus (1997), de Paulo Lins, ou o livro que venceu o Prêmio Jabuti como melhor obra de não-ficção de 2004 – Abusado, o dono do morro Dona Marta, de Caco Barcellos.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Retrato sonoro de Canudos

Este é o título do show que o compositor, cantor e arranjador Gereba apresenta, neste final de semana, na Caixa Cultural do Rio. Nascido no sertão de Canudos, Bahia, ele cresceu ouvindo as narrativas de uma guerra na qual as tropas republicanas destruíram uma população estimada entre 10 e 25 mil habitantes. Essa guerra inspirou um dos clássicos da Literatura Brasileira: o livro Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha.

"Do Gangu que é pura luz"

Assim como Euclides, Gereba faz da tragédia, arte. A paisagem sonora e geográfica de Canudos permeia a sua produção musical. Com base nas experiências orais dos cenários bélicos e místicos do Nordeste, ele lançou o Cd Canudos, cujas faixas “Duas Pedras” e “Sossego da Vila” sintetizam as performances vocais e instrumentais do autor e seu exímio violão. O encarte abre com um texto de Antonio Conselheiro – líder místico e social que inspirou, em 1897, a revolta contra a igreja e o Governo; e que inspira, cem anos depois, a parceria com Ivanildo Vilanova em “A História fará sua homenagem”.


Transitando entre temas urbanos (Trovadores Urbanos) e rurais (Sertão), entre acordes populares (Dom Quixote xote xote) e eruditos (Canções que vêm do sol), Gereba filia-se a uma trajetória musical que possui em Luiz Gonzaga e Villa-Lobos algumas de suas raízes. Participou de discos fundamentais da nossa música como Jóia, de Caetano Veloso, e Contrastes, de Jards Macalé. Gravado por Elizeth Cardoso e Paulo Moura, dentre outros, possui Capinam, Tom Zé, Abel Silva e Renato Teixeira como parceiros.

Em Gereba convida, o compositor dialoga musicalmente com o que a canção brasileira produziu de mais moderno e sofisticado em termos de interpretação: Cássia Eller, Cida Moreira, Na Ozzetti e Tetê Espíndola, dentre outros. Essa trajetória artística atesta o diálogo estético que Gereba engendra - há mais de 30 anos - entre a antena pop e global e a sua pujante raiz histórica e cultural.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

do blog de Saramago em 8 de Abril

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Ler

Isto a que chamam o meu estilo assenta na grande admiração e respeito que tenho pela língua que foi falada em Portugal nos séculos XVI e XVII. Abrimos os Sermões do Padre António Vieira e verificamos que há em tudo o que escreveu uma língua cheia de sabor e de ritmo, como se isso não fosse exterior à língua, mas lhe fosse intrínseco.

Nós não sabemos ao certo como se falava na época, mas sabemos como se escrevia. A língua então era um fluxo ininterrupto. Admitindo que possamos compará-la a um rio, sentimos que é como uma grande massa de água que desliza com peso, com brilho, com ritmo, mesmo que, por vezes, o seu curso seja interrompido por cataratas.

Chegam dias de férias, uma boa ocasião para entrar nesta água, nesta língua escrita pelo Padre Vieira. Não aconselho nada a ninguém, mas digo que vou mergulhar na melhor prosa e vou desaparecer estes dias. Alguém quer acompanhar-me?